segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Escrito por em 6.11.17 com 0 comentários

Guerra e Paz

Quando eu era adolescente, inventei de ler Guerra e Paz. Não me perguntem o porquê, eu simplesmente resolvi pegar aquele livro enorme na estante lá de casa e ler. Levei uns 20 anos para terminar, porque "enorme", nesse caso, não é nenhum exagero: na versão que pertence aos meus pais, ele tem umas 1.500 páginas. Junte a isso uns cem personagens, um monte de nomes em russo, e entenda por que eu não tinha pressa em terminar.

Não que Guerra e Paz seja um livro chato ou ruim, muito pelo contrário, é sensacional. Essa semana eu tentei convencer um amigo disso, e inclusive usei como argumento o fato de que ele já leu O Senhor dos Anéis, Harry Potter e As Crônicas de Gelo e Fogo, então Guerra e Paz não seria nenhum sacrifício. Não sei se o convenci, mas o efeito colateral de nossa conversa foi que eu fiquei com vontade de escrever sobre Guerra e Paz. E será agora. Hoje é dia de Guerra e Paz no átomo!

Com o título original de Voyna i Mir, Guerra e Paz é uma das obras mais conhecidas de Leon Tolstoi, autor de Ana Karenina, sobre o qual eu já escrevi aqui no átomo. Tolstoi começaria a escrever em 1862, logo após se casar, e, a princípio, usaria o título 1805 - sob o qual, inclusive, algumas primeiras versões dos primeiros capítulos seriam publicadas serializadas no jornal Vestnik, entre 1865 e 1867. Tolstoi não ficaria satisfeito com essas versões, e as reescreveria quase que completamente entre 1866 e 1869, quando foi publicado na forma de livro, já com o nome Guerra e Paz, em um total de quatro volumes.

Guerra e Paz é um romance histórico, ambientado no início do século XIX, mais precisamente entre 1805 e 1820, na época em que a França, comandada por Napoleão Bonaparte, tentou invadir a Rússia. Tolstoi faria uma extensa pesquisa sobre o tema, lendo todos os principais livros sobre essa guerra, e conversando com pessoas que a haviam vivido - mesmo tendo encontrado poucas, já que ela ocorrera cerca de 60 anos antes de ele começar a escrever o livro. Durante a história, são citados cerca de 160 personagens reais, alguns de menor, outros de maior importância - incluindo o próprio Napoleão - mas todos com falas e atitudes romanceadas, ou seja, que nem sempre correspondem às que ocorreram historicamente. O realismo nas passagens que descrevem a guerra foi cortesia da própria experiência de Tolstoi no assunto, já que ele havia sido um veterano da Guerra da Crimeia.

Outro dado interessante é que, embora a maior parte do texto original seja em russo, grande parte do livro é escrita em francês. Isso foi feito porque, no início do século XIX, o francês era o idioma preferido da aristocracia russa - diz-se que os aristocratas só sabiam o básico do russo, e só o usavam para se comunicar com seus criados, falando em francês todo o resto do tempo. Quanto mais a história avança, entretanto, menos o francês é usado, para refletir que a França havia se tornado uma inimiga da Rússia, e que o país começava a se livrar da dominação cultural estrangeira. Muitos dos personagens, inclusive, mesmo sendo russos de nascimento, começam a procurar professores de russo, para poderem aprender a língua de seu próprio país.

Guerra e Paz possui três protagonistas, sendo o principal Pierre Bezhukov, filho ilegítimo do Conde Kiril Bezhukov, criado na França e que retorna à Rússia devido à doença de seu pai; mesmo com problemas para se ajustar à sociedade russa, Bezhukov é visto como um bom partido devido à gorda herança que receberá quando seu pai falecer. Bezhukov também costuma ser visto como a voz dos pensamentos de Tolstoi, com suas falas frequentemente refletindo os pensamentos do autor sobre diversos assuntos. Ele divide o protagonismo com dois outros personagens centrais, o primeiro deles o Príncipe Andrei Nikolayevich Bolkonsky. Belo e inteligente, Bolkonsky decide se alistar no exército, apesar de não ter a menor necessidade disso devido à sua classe social, e mesmo estando cético quanto às chances de a Rússia ganhar a guerra, enviando sua esposa, Lisa Bolkonskaya, grávida, para morar no interior com seu pai, o excêntrico, ríspido e emocionalmente distante Príncipe Nikolai Andreich Bolkonsky, e sua irmã, a doce e religiosa Maria Nikolayevna Bolkonskaya. Afastado de sua esposa e insatisfeito com seu casamento, por acreditar que Lisa só se preocupa com futilidades, Bolkonsky acaba se apaixonando pela terceira protagonista, Natasha Ilyinichna Rostova, que, quando a história começa, tem apenas 15 anos. Não muito bela, mas cheia de vida, romântica, impulsiva e talentosa no canto e na dança, Natasha é a filha mais nova do Conde Ilya Andreyevich Rostov, que, apesar de riquíssimo, vive apertado de dinheiro, por ser extremamente generoso com seus amigos e criados e bastante despreocupado com suas finanças.

Outros personagens de destaque incluem o Príncipe Vasily Kuragin, homem cruel que quer arrumar a qualquer custo casamentos com membros da alta sociedade para seus dois filhos, Hélène e Anatole, sendo que há um boato de que ambos, apesar de irmãos, vivem um romance (Hélène acaba se casando com Bezhukov, mas é um casamento de aparências, e ela tem vários casos extraconjugais; Anatole também consegue um bom casamento, mas mesmo assim tenta convencer Natasha a fugir para viver um caso com ele); o Príncipe Boris Drubetskoy, que perdeu todo o seu dinheiro e acaba aceitando se casar com Julia Karagina, mulher riquíssima e extremamente arrogante, apenas por seu dinheiro; Anna Pavlovna Scherer, a dona do salon onde a aristocracia russa se reúne para beber e fofocar, onde ocorrem muitas das passagens do livro; e Osip Bazdeyev, maçon que convence Bezhukov a ingressar na maçonaria, o que não deveria ter tanto destaque, exceto pelo fato de que isso desencadeia uma trama paralela interminável e sem muita relação com a história principal. Napoleão e o Príncipe Mikhail Kutuzov, personagem real que comandou as tropas russas durante a guerra, também são personagens de destaque no livro.

O livro seria um enorme sucesso de pública e crítica; muitos dos leitores do Vestnik, ansiosos para ver as modificações que Tolstoi fizera, ou apenas querendo ter uma cópia encadernada do texto em casa, esgotariam a primeira tiragem em poucas horas. Muitos críticos e estudiosos escreveriam, nos primeiros anos após seu lançamento, resenhas e ensaios que são usados até hoje pelos que estudam as obras de Tolstoi. Parte da crítica, entretanto, foi desfavorável, por considerar que o texto não possuía a crítica social adequada, tinha pouca importância histórica, e não abordava bem o tema da unidade nacional. No geral, porém, Guerra e Paz seria considerada a maior obra-prima da literatura russa.

Sendo uma obra de tamanha importância, evidentemente Guerra e Paz teria adaptações para o cinema e a TV. A primeira delas, ainda em preto e branco, seria filmada na Rússia e lançada em 1915, dirigida por Vladimir Gardin e estrelando o próprio Gardin como Bezhukov, e Vera Karalli, bailarina do Bolshoi, como Natasha. Para a TV, merece destaque a versão de 1972, uma série em 20 episódios produzida pela BBC estrelando Anthony Hopkins como Bezhukov, Alan Dobie como Bolkonsky, e Morag Hood como Natasha. Mas são duas das versões para o cinema as consideradas as de maior importância, e as mais conhecidas do público em geral.

A primeira é uma produção norte-americana, lançada em 1956 e dirigida por King Vidor, estrelando Mel Ferrer como Bolkonsky, Henry Fonda como Bezhukov, Audrey Hepburn como Natasha, e Herbert Lom como Napoleão. O filme tem nada menos que 208 minutos de duração (quase três horas e meia, para quem não estiver a fim de fazer a conta), e ainda assim omite grande parte da história do livro, focando muito mais nas relações entre os três protagonistas e deixando de fora quase todos os personagens secundários. Com orçamento de 6 milhões de dólares, rendeu 6,5 milhões, sendo considerado pela Paramount, que o financiou, um fracasso de público; apesar disso, foi um grande sucesso de crítica, sendo muito elogiado e indicado a três Oscars, de Melhor Diretor (no qual Vidor perdeu para George Stevens, de Assim Caminha a Humanidade), Melhor Fotografia (que perdeu para A Volta ao Mundo em 80 Dias) e Melhor Figurino (perdendo para O Rei e Eu).

Em 1959, o filme dirigido por Vidor seria lançado na União Soviética, onde atrairia bastante público - cerca de 31,4 milhões de espectadores - e seria aclamado pela crítica local. Como era a época da Guerra Fria, o governo soviético achou um absurdo que uma adaptação norte-americana de um clássico da literatura russa tivesse tanto prestígio, principalmente porque se aproximava o aniversário de 150 anos da vitória russa sobre a França na guerra retratada no livro. A Ministra da Cultura soviética, Yekaterina Furtseva, imediatamente ordenaria a produção de uma nova adaptação de Guerra e Paz, dessa vez produzida pela Mosfilm, o mais importante estúdio soviético da época (e mais importante estúdio russo da história). Furtseva conclamaria os mais importantes diretores soviéticos a assinar uma carta aberta, publicada nos jornais soviéticos de maior circulação, que dizia ser "uma questão de honra para a indústria cinematográfica soviética produzir uma obra que superasse a produção norte-americana em mérito artístico e autenticidade".

Vários dos principais diretores soviéticos se ofereceram para o projeto, incluindo Mikhail Romm e Sergei Gerasimov. Após uma seleção inicial, parecia que a honra ficaria com Ivan Pyryev, considerado por Furtseva como "o único candidato viável"; Pyryev, porém, tinha muitos desafetos dentro do Ministério, e estes acabaram orquestrando um convite para Sergei Bondarchuk, na época com 40 anos e apenas um filme no currículo. Bondarchuk não havia se candidatado à vaga, e ficou muito surpreso com o convite do Ministério, mas, devido à importância do projeto, evidentemente decidiu aceitá-lo. Furtseva, então, determinou que cada um dos dois deveria dirigir uma espécie de "episódio-piloto", um média-metragem que seria exibido perante uma comissão, com o diretor do melhor piloto sendo escolhido para dirigir a obra; ao ver que muitos de seus desafetos fariam parte dessa comissão, entretanto, Pyryev decidiria retirar sua candidatura, para não perder tempo e dinheiro filmando um piloto à toa. Sem outros candidatos, Furtseva acabaria nomeando Bondarchuk como diretor em fevereiro de 1961, cerca de um ano após o início do processo de seleção.

A produção começaria em abril de 1961, com a liberação da primeira parcela orçamentária por parte do Ministério da Cultura, e com Bondarchuk e o dramaturgo Vasily Solovyov começando a escrever o roteiro. Assim como Vidor, eles optariam por deixar de fora ou diminuir a importância da maioria dos personagens secundários, centrando o enredo nas relações entre Bezhukov, Bolkonsky e Natasha, além de excluir a subtrama da maçonaria e deixar de fora todas as considerações filosóficas e históricas feitas por Tolstoi - e isso, de certa forma, seria inevitável, já que, para fazer uma adaptação realmente fiel, talvez fossem necessárias mais de 20 horas de duração, como na série da BBC. Ainda assim, seria impossível fazer um único filme com toda a história que o Ministério exigia como mínimo a ser adaptado; a sugestão de Vladimir Surin, presidente da Mosfilm, era a de fazer uma trilogia, mas, enquanto trabalhavam no roteiro, Bondarchuk e Solovyov chegariam à conclusão de que, para manter um ritmo razoável e não cansar a plateia, o ideal seria que fossem produzidos quatro filmes. O roteiro final seria aprovado pela Mosfilm em fevereiro de 1962, e o projeto dos quatro filmes seria aprovado pelo Ministério cerca de um mês depois.

O governo soviético não pouparia esforços para auxiliar a produção: além do apoio incondicional do Ministério da Cultura, inclusive com carta branca para liberar quanto dinheiro fosse necessário, o Ministério da Defesa seria convidado a apontar um consultor militar e um expert em cavalaria, para que as cenas de guerra fossem o mais autênticas possível, e o Exército Soviético cederia milhares de soldados que atuariam como figurantes nas referidas cenas, além de emprestar canhões autênticos do início do século XIX que já haviam sido decomissionados, e de ajudar a confeccionar uniformes idênticos aos da época e a construir carroças e vagões idênticos aos usados pelos militares de então. Mais de quarenta museus espalhados pelo país também contribuiriam com artefatos históricos, como candelabros, mobília e prataria, para que a ambientação fosse a mais autêntica possível. Consultores históricos também atuariam junto às figurinistas, para que todas as vestimentas fossem o mais próximas possível das realmente usadas na época. Novecentos cavalos foram cedidos pelo Ministério da Agricultura, e dezesseis cães de caça foram emprestados por criadores particulares para uma cena de caçada.

A escolha do elenco foi bastante complicada. Os testes começariam em maio de 1961, e o primeiro a ser escolhido seria Oleg Strizhenov, para o papel de Bolkonsky. Pouco antes do começo das filmagens, entretanto, ele seria selecionado para o grupo permanente do Teatro de Arte de Moscou, e desistiria do papel; Furtseva ainda tentaria convencê-lo, mas sem sucesso. Bondarchuk, então, convidaria Innokenty Smoktunovsky, que já havia assinado para protagonizar uma adaptação de Hamlet, dirigida por Grigori Kozintsev, mas aceitaria mesmo assim; Kozintsev, entretanto, usaria sua influência junto ao Ministério da Cultura para barrar a participação de Smoktunovsky em Guerra e Paz. O papel de Bolkonsky acabaria ficando com Vyacheslav Tikhonov, o terceiro na lista de preferência de Bondarchuk, que acabaria se juntando à equipe três meses após o início das filmagens.

No livro, Bezhukov é descrito como um homem de grande força física, e, portanto, para interpretá-lo, Bondarchuk convidaria Yuri Vlasov, campeão olímpico do levantamento de peso em Roma 1960; o diretor chegaria a treinar Vlasov pessoalmente, ensaiando com ele, mas, a poucos dias do início das filmagens, o atleta desistiria, alegando não estar se sentindo seguro para o papel e acreditar não ter qualquer talento para a atuação. Como já não tinha um Bolkonsky, e começar a filmar também sem um Bezhukov era impossível, Bondarchuk acabaria ele mesmo ficando com o papel - curiosamente, ele já havia selecionado sua própria esposa, a atriz Irina Skobtseva, para o papel de Hélène Kuragina, o que fez com que o casal da vida real também se tornasse um casal na ficção. Durante o final da produção do terceiro e quarto filmes, com a saúde fragilizada, Bondarchuk nem sempre estaria disponível para as filmagens, e colocaria o jornalista Yury Devochkin, a quem todos achavam parecido com ele, para interpretar Bezhukov em cenas que não possuíam falas nem closes.

Várias das principais atrizes russas da época se ofereceriam para interpretar Natasha, como Anastasiya Vertinskaya e Lyudmila Gurchenko; surpreendendo a todos, porém, Bondarchuk escolheria uma estreante, a bailarina Ludmila Savelyeva, então com 19 anos e recém-saída da Academia Vaganova de Balé Russo, por acreditar que ela é que melhor se adequava à descrição de Natasha apresentada no livro. Para o papel do irmão de Natasha, Petya Rostov, seria escolhido o futuro diretor Nikita Mikhalkov, então com 16 anos; inesperadamente, ele teria um surto de crescimento durante as filmagens, e, quando o terceiro filme iria ser filmado, ele já aparentava ser bem mais velho do que o personagem pedia, tendo de ser substituído nos dois últimos filmes por Sergei Yermilov.

A direção de arte também teria um problema sério. Originalmente, ela ficaria a cargo de Alexander Shelenkov e Yu Lan Chen, que eram marido e mulher, mas diversos desentendimentos entre eles e Bondarchuk, a quem acusavam de ser ditatorial e de não consultar a equipe antes de tomar decisões sobre a fotografia, fariam com que decidissem pedir demissão, com seu assistente, Anatoli Petritsky, sendo promovido para o cargo. Por decisão do Ministério da Cultura, o filme seria rodado em 70 mm, ao invés dos 35 mm usados como padrão pela indústria soviética; a Mosfilm consideraria comprar o filme da Kodak, através de seus contatos na Alemanha Oriental, mas, para cortar custos e estimular a indústria nacional, seria convencida pelo Ministério a usar filme fabricado pela soviética Shostka. Petritsky ficaria extremamente insatisfeito com o filme da Shostka, considerando-o de baixa qualidade, e alegando que a maior parte do lote estava defeituoso e era simplesmente inutilizável. Quase 10% das cenas do filme tiveram de ser refilmadas durante a edição, pois os técnicos descobririam que era impossível trabalhar com o filme entregue pela equipe de produção - uma cena de batalha teria de ser refilmada quatro vezes, pois toda vez que as filmagens terminavam, se descobria que o filme havia estragado. Ao final das filmagens, a estimativa da Mosfilm era de que a produção teria ficado de 10 a 15% mais barata se, ao invés de usar o filme da Shostka, eles tivessem comprado o da Kodak, mesmo esse sendo mais caro. Em compensação, Guerra e Paz seria a primeira produção soviética a fazer uso de várias técnicas jamais usadas no país, como câmeras suspensas por cabos de aço, cameramen circulando de patins dentre os atores nas cenas de baile, e o uso de gruas e helicópteros em cenas externas. O som seria pela primeira vez em uma produção soviética gravado em seis canais, e, durante as cenas de batalha, um sistema de alto falantes seria usado para que o diretor pudesse coordenar o movimento das tropas.

O inverno inclemente também faria com que a produção sofresse atrasos: parte das cenas de batalha deveria ser filmada na neve, sendo escolhida a localidade de Zakarpattia para as externas; nevaria tanto e tão forte, porém, que as filmagens externas se tornariam impossíveis, com Bondarchuk decidindo filmar lá internas que estavam previstas para outras localidades para ganhar tempo enquanto esperavam a nevasca diminuir.

Pelo planejamento original, os quatro filmes seriam rodados simultaneamente, e apenas lançados separados; em julho de 1964, entretanto, o Ministério da Cultura ordenaria a Bondarchuk que ele deixasse de lado todas as filmagens referentes ao terceiro e quarto filmes e se concentrasse em concluir os dois primeiros, para que eles pudessem ser apresentados no Festival de Filmes de Moscou de 1965. Da forma como as filmagens estavam, contudo, isso seria extremamente trabalhoso, e, devido ao estresse, Bondarchuk sofreria um infarto durante as filmagens, o que levaria a um adiamento na produção de várias cenas, o que tornaria o prazo ainda mais apertado - segundo presentes, ao acordar, suas primeiras palavras foram "se eu morrer, deixem que Gerasimov o termine". Os dois primeiros filmes ficariam prontos apenas uma semana antes do início do Festival, e, após sua conclusão, Bondarchuk sofreria um segundo infarto.

Como os quatro filmes foram produzidos simultaneamente, não há uma estimativa orçamentária em separado para cada um deles; os quatro juntos gastariam cerca de 8,3 milhões de rublos, o que torna Guerra e Paz o filme mais caro a ser produzido em toda a história da União Soviética. O primeiro filme, que tinha o título de Guerra e Paz: Andrei Bolkonski, estrearia em 14 de março de 1966, após uma exibição no Festival de Filmes de Moscou em 19 de julho de 1965. Com um total de 147 minutos, ele possuía um intervalo no meio, prática comum em filmes de mais de 120 minutos na época. Ao todo seriam vendidos cerca de 58,3 milhões de ingressos, embora estima-se que cerca de 300 mil espectadores saíram durante o intervalo e não assistiram à segunda parte; de qualquer forma, isso seria suficiente para fazer de Andrei Bolkonsky o filme de maior bilheteria de 1966 na União Soviética. O segundo filme, chamado Guerra e Paz: Natasha Rostova, que também teria exibição no Festival em 19 de julho de 1965, estrearia em 20 de julho de 1966, com 100 minutos de duração. Ele seria menos bem-sucedido, mas ainda assim vendendo cerca de 36,2 milhões de ingressos, o suficiente para que se tornasse o terceiro filme de maior bilheteria de 1966.

O terceiro filme, Guerra e Paz: O Ano de 1812 (Voyna i Mir: 1812 God), só estrearia em 21 de julho de 1967, ou seja, quase um ano após o segundo - o que era natural, já que a produção dos dois primeiros foi acelerada para sua exibição no Festival, com a dos dois últimos sendo retomada apenas um bom tempo depois, devido ao estado de saúde de Bondarchuk. Este seria o filme mais curto, com 84 minutos, e atrairia apenas cerca de 21 milhões de espectadores, fechando o ano de 1967 na 13a posição em bilheteria na União Soviética. O quarto e último filme, Guerra e Paz: Pierre Bezhukov, teria 100 minutos, estrearia em 4 de novembro de 1967, atrairia cerca de 19,8 milhões de espectadores, e fecharia o ano na 14a posição. Os principais culpados escolhidos para o sucesso decrescente dos filmes foram a distância entre o lançamento de cada um em relação ao anterior, e o fato de que, exceto pelo primeiro, os demais já não eram novidade.

A crítica ficaria dividida, com alguns considerando Guerra e Paz o maior épico de sua época e a maior adaptação de uma obra literária da história do cinema, e outros criticando seu ritmo, a pouca profundidade de seus personagens, e até mesmo o fato de que Bondarchuk era velho demais para interpretar Bezhukov. O filme ganharia o Grande Prêmio do Festival Internacional de Cinema de Moscou de 1965, e o prêmio principal da Associação de Críticos de Cinema do Japão de 1966. Após sua exibição nos cinemas dos Estados Unidos, em 1968, ele ganharia o Globo de Ouro e o Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, além de ser indicado ao Oscar de Melhor Direção de Arte (o qual perdeu para Oliver!). Guerra e Paz seria o primeiro filme soviético a ganhar um Oscar, e, como foi considerado como um único filme de 431 minutos, e não como quatro filmes separados, deteve o recorde de filme mais longo a receber um Oscar em qualquer categoria até 2017, quando o documentário O.J.: Made in America, sobre a vida do ex-jogador de futebol americano O.J. Simpson, com um total de 467 minutos, ganhou o Oscar de Melhor Documentário.

Guerra e Paz seria exibido nos cinemas de nada menos que 117 países além de sua União Soviética natal; em alguns deles, como os da Europa Oriental (exceto Alemanha), França, Espanha, Japão, Dinamarca, Bélgica, Egito e Argentina, ele seria exibido em sua forma original, em quatro filmes sem cortes, apenas dublados ou legendados. Na maioria dos países, entretanto, o filme seria editado ou condensado de alguma forma: na Alemanha Oriental, por exemplo, ainda seriam exibidos quatro filmes, mas editados pelo estúdio governamental DEFA, que, além, de dublá-lo para o alemão, reduziria sua duração para 409 minutos; a Alemanha Ocidental também editaria sua própria versão, transformada em um único filme de 337 minutos. A versão norte-americana, dublada em inglês e editada pela Titan Productions, também seria um único filme, de 331 minutos; esta versão também estrearia, mais tarde, no Reino Unido. O canal norte-americano ABC transformou essa versão norte-americana em uma minissérie, exibida em quatro episódios entre 12 e 15 de agosto de 1972, mas sem respeitar a disposição dos quatro filmes originais - a última parte de Andrei Bolkonski, por exemplo, ficou no segundo episódio da minissérie.

Em 1986, como parte das comemorações pelos 20 anos da estreia do primeiro filme, o Ministério da Cultura pediu a Bondarchuk que preparasse uma versão para ser exibida na TV soviética. Quando Bondarchuk e Petritsky foram analisar os negativos originais, porém, descobriram que, por terem sido guardados de forma inadequada, estavam danificados além de qualquer reparo. Bondarchuk, então, usaria uma cópia em 35 mm, com aspecto de tela standard (a de 70 mm era widescreen), produzida simultaneamente às filmagens. Durante muito tempo, essa foi a única versão disponível, sendo, inclusive, a que a Mosfilm usou quando lançou o filme em DVD, em 2000.

Em 2012, Karen Shakhnazarov, presidente da Mosfilm, decidiria dar início a uma restauração para o relançamento da obra em DVD, dessa vez o mais fiel possível à versão cinematográfica. Para isso, ele buscaria versões em 70 mm enviadas para exibição no exterior e pertencentes a colecionadores particulares. O trabalho levaria quatro anos, com a nova versão sendo lançada mundialmente no final de 2016. É atualmente a versão mais próxima da original, embora tenha 29 minutos a menos - o primeiro filme tem 140 minutos, o segundo tem 93, o terceiro tem 77 e o quarto tem 92. Mesmo assim, não se pode descartar a importância de se ter preservado um grande clássico do cinema, inspirado em um dos maiores clássicos da literatura mundial.

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